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1 November 2010 Marcação Ungueal em Preguiças-de-Garganta-Marrom Bradypus variegatus (Schinz, 1825) de Vida Livre na Estação Ecológica de Caetés, Paulista-PE, Brasil
Gileno Antonio Araújo Xavier, Rinaldo Aparecido Mota, Maria Adélia Borstelmann de Oliveira
Author Affiliations +
Abstract

The objective of this study was to develop and test a temporary marking technique to individually identify free-living brown-throated three-toed sloths Bradypus variegatus at the Ecological Station of Caetés, Pernambuco, Brazil. Forty-six sloths of different genders and age classes were used. The ungueal marking consisted of painting the dorsal and lateral areas of the foreclaws with nail polish of various colors. Monitoring was carried out with binoculars and recapture. The technique did not show any adverse effects on the natural and social habits of the individuals or on the claws. The markings lasted for a period of up to 9 months with variations between individuals, lasting a shorter time in young animals. This type of marking has shown to be satisfactory for the identification of free-living animals and may also be used for studying captive and semi-captive sloths.

Introdução

A preguiça-de-três-dedos de garganta marrom do Brasil (Bradypus variegatus) foi descrita por Schinz (1825). Apresenta pelagem marrom na garganta e laterais da face, contínua com a coloração do ombro e tórax (Wetzel e Ávila-Pires, 1980). São animais de hábito solitário com padrão de deslocamento lento e silencioso e possuem dieta folívora (Wetzel, 1982).

Identificar preguiças é um problema que extrapola o âmbito individual, chegando ao nível de espécie. As diferenças mais marcantes entre as preguiças Bradypus tridactylus e B. variegatus adultas de ambos os sexos são as manchas articulares (Beebe, 1926) e a mancha dorso-medial colorida no macho (Beebe, 1926; Britton, 1941; Montgomery, 1983; Queiroz, 1995; Silva, 1999), conhecida como “marca de sela” (Lundy, 1952; Goffart, 1971), também descrita como sendo uma mancha pelada que funciona como glândula de marcação (Wallach e Boever, 1983). Para quaisquer das espécies, muitas são as dificuldades para a determinação do sexo sem que haja um exame crítico (Pocock, 1924; Britton, 1941; Divers, 1986; Silva, 1999).

Algumas questões de estudo requerem o reconhecimento individual dos animais. Este problema pode ser superado por captura e marcação (Thorington et al., 1979).

A capacidade de diferenciar indivíduos varia entre pesquisadores (Setz, 1991). Muitos dos animais capturados são marcados de alguma maneira para facilitar sua futura identificação, sendo as marcações de grande auxílio nos trabalhos de diversos campos de estudos (Day et al., 1987). Os marcadores utilizados em mamíferos podem ser agrupados em três grandes categorias: permanentes, semipermanentes e temporários (Day et al., 1987; Rudran, 1996), sendo as tinturas, pinturas e pós, usualmente utilizados como marcas temporárias (Rudran, 1996).

Beebe (1926) marcou uma preguiça macho, barbeando duas partes da pele na área das costas na borda da marca dorsal laranja e fixou uma etiqueta de metal em um membro pélvico. Silva (1999) realizou observações de B. variegatus em semicativeiro marcando os animais com tinta no dorso e nos membros torácicos.

Objetivou-se com este estudo, elaborar e monitorar uma técnica de marcação temporária com fins de identificação individual para preguiças-de-garganta-marrom de vida livre na Estação Ecológica de Caetés, Pernambuco, Brasil.

Material e Métodos

O estudo foi realizado na Estação Ecológica de Caetés (ESEC-Caetés), localizada na porção Norte do Município de Paulista, Mesorregião Metropolitana do Recife, Estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil. A ESEC-Caetés situa-se entre 7°55′15″ e 7°56′30″S e 34°55′15″ e 34°56′30″W. Ocupa uma área de 157 ha, correspondendo a 1,54% da área do Município (CPRH, 2006).

Foram utilizadas 46 preguiças, sendo 20 fêmeas e 26 machos, 24 jovens e 22 adultos, capturadas manualmente com auxílio ou não de escadas. A contenção física foi realizada com o uso de sacos de pano. Em todos os animais foi realizada a morfometria e a sexagem. Nas recapturas, os animais foram submetidos a novos processamentos com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento corporal e da técnica de marcação.

A técnica de marcação ungueal consistiu em pintar as faces dorsais e laterais das três garras dos membros torácicos com o auxílio de esmalte de unha de diversas cores. Uma determinada cor foi utilizada para marcar somente quatro indivíduos: uma dupla foi formada por um macho e uma fêmea marcados no antímero direito e a outra, um macho e uma fêmea, marcada no antímero esquerdo.

Optou-se pela marcação das garras dos membros torácicos por serem estes os mais ativos e visíveis em qualquer tipo de movimento, mesmo quando o animal encontra-se em repouso o que permite um aumento da probabilidade de visualização e uma melhor visibilidade da marcação no campo. As cores das marcas, por sua vez, foram escolhidas baseando-se em dois fatores principais: promover um maior contraste quando comparada à cor natural das garras não marcadas e permitir uma boa visualização à distância, com ou sem o uso do binóculo.

O monitoramento foi realizado através de observações com auxílio de binóculo, fichas individuais e recapturas. Tais observações consistiram em avistar ou não os animais marcados e foram executadas por meio de visitas ao local de estudo em períodos irregulars.

Resultados

As capturas e marcações ocorreram no período compreendido entre junho de 2005 e outubro de 2006. O primeiro animal marcado foi uma fêmea adulta agrupada no quarteto vermelho. Foi avistada em julho e em novembro de 2005. Nesta última avistagem estava acompanhada de filhote quando então foi recapturada. Na sexagem do filhote constatou-se que se tratava de um macho que também foi processado e marcado. Dos animais marcados, 15 foram avistados pelo menos uma segunda vez na área de estudo.

Nas recapturas foi possível averiguar o estado das garras, submetidas aos constantes processos naturais de crescimento e de desgaste assim como se observou que a técnica empregada não provocou nenhum comprometimento da saúde das garras. As preguiças marcadas foram facilmente identificadas, com auxílio do binóculo e das fichas individuais (Fig. 1). Nenhuma alteração nos hábitos natural e social foi observada nos indivíduos.

Discussãos

Nas capturas observou-se que entre os machos jovens, a mancha dorsal, quando presente, pode apresentar-se em graus diferenciados de desenvolvimento desde uma pequena depressão formada por pêlos mais escuros e menores até manchas já formadas de proporções reduzidas. Estas variações foram observadas independentemente da idade e tamanho destes jovens. Para a sexagem dos filhotes e jovens, as características externas observadas nos animais deste estudo foram insuficientes para uma determinação conclusiva. Para tal foi realizada a distinção entre os sexos através do exame da genitália externa (Pocock, 1924; Britton, 1941; Divers, 1986; Silva, 1999).

Figura 1.

Bradypus variegatus de vida livre observado em atividade, com marcação ungueal de cor verde no membro torácico esquerdo.

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Para Queiroz (1995), a identificação individual é possível pelo conhecimento da área de vivência, pelo seu sexo, por marcas particulares e pelo tamanho de cada animal. Contrastando com esta afirmação, no presente estudo observou-se que o processo de identificação não é um procedimento fácil, principalmente quando não são realizados capturas e exames minuciosos dos indivíduos.

As preguiças apresentam marcas particulares representativas, mas não a ponto de serem suficientes para as individualizações. Algumas dessas marcas só podem ser observadas durante o exame físico e são imperceptíveis na natureza, mesmo com auxílio de binóculos. Quanto ao conhecimento da área de vivência de cada animal, faz-se necessário atentar para as possibilidades de sobreposição destas áreas de uso das preguiças e dos deslocamentos por longas distâncias executados por estes animais.

Não foi possível determinar todos os possíveis fatores que poderiam interferir na extensão ou no abreviamento do tempo de permanência da marca. Vale ressaltar que substâncias químicas como é o caso do esmalte se desgastam gradativamente depois da aplicação, porém durante o monitoramento observou-se que as marcas se mantiveram observáveis por um período de até nove meses.

Este tempo variou de indivíduo para indivíduo. Animais muito jovens apresentaram um grau maior de desenvolvimento dos anexos cutâneos, no caso as garras, se comparados aos animais adultos, que apresentam um tempo de permanência do esmalte maior. Um filhote lactante foi capturado com a mãe e marcado em novembro de 2005. Sua primeira recaptura juntamente com a mãe ocorreu em fevereiro de 2006. Sinais de crescimento de suas garras foram evidenciados pela presença de um pequeno segmento de aproximadamente 0,8 cm de tecido ungueal novo não marcado. Na segunda recaptura, em março de 2006, este mesmo segmento media 1,6 cm.

Além da faixa etária, outros fatores também devem ser considerados com relação ao tempo de retenção (visibilidade) das pinturas, tais como a atividade individual, o estado nutricional, o período do ano, qualidade e quantidade do marcador, entre outros como foi discutido por Melchior e Iwen (1965).

Neste trabalho os animais de vida livre foram marcados empregando a técnica de marcação ungueal que permitiu identificação para fins de individualização que serão utilizados em trabalhos posteriores a serem desenvolvidos na ESEC-Caetés, referentes ao comportamento, ecologia populacional, entre outros. A técnica poderá ser empregada também para estudos de outras espécies de preguiças em cativeiro e em semicativeiro.

Quanto à sua aplicabilidade em estudos de campo com outros mamíferos, aves e répteis, faz-se necessário conhecer o comportamento do animal a ser estudado. Para aqueles que utilizam as garras para determinadas atividades, como os escavadores, a técnica pode não ser a mais indicada, uma vez que a pintura utilizada na marcação teria um período de duração bastante abreviada pelo maior desgaste promovido por tais atividades (tamanduás, tatus, etc.). Entretanto, indubitavelmente a técnica mostrou-se útil e poderá ser aplicada com êxito em estudos em cativeiro onde os animais são privados de manifestar muitos comportamentos naturais.

Conclusão

A marcação ungueal é uma técnica simples, prática e econômica e não promove alteração nas funções das garras marcadas ou mudanças comportamentais dos indivíduos, sendo adequada para animais de vida livre, em cativeiro ou semicativeiro. Considerando certas semelhanças de comportamentos entre os diferentes gêneros de preguiças, o método de marcação permite sua aplicação também em estudos que envolvam as outras espécies.

Agradecimentos:

À Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Pernambuco — CPRH por ter permitido a realização deste estudo na Estação Ecológica de Caetés — ESEC-Caetés; à Coordenação da ESEC-Caetés pela receptividade; e à Companhia Independente de Policiamento do Meio Ambiente — CIPOMA pelo apoio.

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Gileno Antonio Araújo Xavier, Rinaldo Aparecido Mota, and Maria Adélia Borstelmann de Oliveira "Marcação Ungueal em Preguiças-de-Garganta-Marrom Bradypus variegatus (Schinz, 1825) de Vida Livre na Estação Ecológica de Caetés, Paulista-PE, Brasil," Edentata 11(1), 18-21, (1 November 2010). https://doi.org/10.1896/020.011.0104
Published: 1 November 2010
KEYWORDS
Bradypus variegatus
Brown-throated three-toed sloth
marcação temporária
Preguiça
temporary marking
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