As informações sobre a ocorrência do tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) no sul do Brasil, em especial no Estado do Paraná, são pontuais e muitas vezes anedóticas, a despeito da sua relevância em análises conservacionistas. Este estudo pretende suprir essa carência, reunindo as informações sobre a ocorrência da espécie no Paraná, por meio de uma revisão dos relatos históricos e toponímicos, levantamento dos exemplares em coleções e da divulgação das informações inéditas próprias, e de outros pesquisadores e naturalistas. A presente revisão obteve 58 registros de M. tridactyla em 38 localidades paranaenses, sendo 19 nos últimos dez anos, que permitem afirmar que o tamanduá-bandeira apresentava ampla distribuição no Estado, ocorrendo não só em áreas abertas de Campos e Cerrados como também nas formações florestais planálticas paranaenses (Floresta Estacional Semidecidual e Floresta Ombrófila Mista). Os registros recentes, no entanto, estão concentrados nos remanescentes de Campos e Cerrado paranaense e no Parque Nacional do Iguaçu, onde predomina a Floresta Estacional Semidecidual. Considerando a extrema raridade de registros atuais meridionais, aceitando-se inclusive a possibilidade de extinção regional nos demais estados sulinos brasileiros (Santa Catarina e Rio Grande do Sul), os registros paranaenses podem se referir aos últimos exemplares de tamanduá-bandeira do sul do Brasil, o que os torna fundamentais para a conservação da espécie.
Introdução
O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla Linnaeus, 1758) ocorre em hábitats trapicais e subtropicais das Américas Central e do Sul e regiões áridas do Chaco, Cerrado e Caatinga (Wetzel, 1982; Redford & Eisenberg, 1992; Gardner, 1993). As populações dessa espécie estão diminuindo em toda sua área de ocorrência, com extinções regionais consideráveis (Nowak, 1991; Aguiar & Fonseca, 2008; Gardner, 2008), em especial na porção sul de sua distribuição. É considerado “vulnerável” (VU) em toda sua área de ocorrência (Miranda et al., 2014) e também no Brasil (MMA, 2008). No Uruguai a espécie está extinta (Achaval et al., 2004). No leste do Paraguai, no princípio do século XX, já era considerada rara (Bertoni, 1914) e desde então um declínio populacional considerável ocorreu (Smith, 2007), com situação semelhante também observada no norte e noroeste da Argentina (Crespo, 1982; Chebez, 1994; Mares et al., 1996; Vizcaíno et al., 2006). Nos estados do sul do Brasil a situação não é diferente. Em Santa Catarina não há informações sobre a espécie há mais de 30 anos (Cherem et al., 2004) e no Rio Grande do Sul, onde é considerada “criticamente em perigo” (CR) (Marques et al., 2002; Fontana et al., 2003) existem apenas indicações imprecisas recentes de sua ocorrência (Silva, 1994; Freitas et al., 2009), não havendo registros confirmados da espécie desde o ano de 1999, quando um individuo foi atropelado no municipio de São Francisco de Paula (Faria-Corrêa & Villela, 2003; Fontana et al., 2003). No Paraná, a distribuição original e a remanescente do tamanduá-bandeira não são conhecidas, embora registros eventuais estejam disponíveis em publicações recentes, relatos históricos e nos raros espécimes em coleções, os quais nunca foram divulgados adequadamente.
Margarido (1995) ressaltou que a ausência de informações bionômicas sobre o tamanduá-bandeira no Estado impedia uma avaliação segura sobre o seu status populacional. De fato, a ausência de dados, especialmente os históricos, é potencialmente um problema sério para avaliações conservacionistas. A ausência ou baixa densidade de certas espécies em uma região geográfica (política ou natural) pode ser interpretada como resultado dos impactos causados pela presença humana em si, ao contrário de um padrão natural pré-estabelecido, que pode ou não ter sido reforçado pelos mesmos. Devido a esses fatores e pela relevância biológica e conservacionista do tamanduá-bandeira, resgatamos os registros de sua ocorrência no Paraná.
Materiais e Métodos
Os registros de ocorrência foram obtidos através de consulta à literatura recente e a fontes históricas; pelo levantamento de espécimes depositados nas coleções do Museu Ecológico da Klabin Celulose — MEK até o ano de 2003, em Telêmaco Borba, e do Museu de Historia Natural Capão da Imbuia — MHNCI, em Curitiba, além da coleta de informações de pesquisadores e naturalistas de maneira informal. A fonte para cada um dos registros é apresentada junto aos mesmos de forma resumida. Esses estão acrescidos das coordenadas geográficas, altitude e fitofisionomia original predominante nos topônimos e condensados na Tabela 1.
Resultados
Relatos históricos (anteriores à década de 1980)
O tamanduá-bandeira conta com poucos registros históricos no Paraná uma vez que a fauna paranaense foi pouco privilegiada pela visita de naturalistas no século passado e anteriores (Miretzki, 1999; Straube & Scherer-Neto, 2001). O historiador português Antônio Vieira dos Santos foi o primeiro a indicar a ocorrência da espécie no Estado (Vieirados-Santos, 1945), referindo-se ao ano de 1850. As informações disponibilizadas neste trabalho requerem, entretanto, atenção na interpretação de seus registros (v. Straube & Scherer-Neto, 2001), já que a Comarca de Paranaguá com sede ao nível do mar (hoje Município de Paranaguá) abrangia no passado uma área geográfica muito maior, incluindo áreas planálticas do interior paranaense. No Paraná a planicie litorânea é separada da região planáltica (Planalto Meridional do Brasil, ˜900 m de altitude) por uma estreita faixa de serras de rochas cristalinas que se erguem acima dos 1.900 m de altitude (Maack, 1968). É provável que Vieira dos Santos tenha incluido em seu trabalho não apenas as espécies encontradas na planicie litorânea, mas também espécies do oeste da serra, já no planalto.
Outra relato foi fornecido pelo explorador inglês Bigg-Wither (1968) para “Salto de Ubá”, referindo-se ao ano de 1874, localizado atualmente entre os municípios de Manoel Ribas e Cândido de Abreu, mencionando que durante a viagem o tamanduá--bandeira era “frequentemente visto e morto [nas florestas do rio Ivaí]”.
Também Muricy (1975), de sua expedição ocorrida em 1896, traz menção à espécie para a mesma região do vale do rio Ivaí, próximo a Vila Rica do Espírito Santo (confluência dos rios Corumbataí e Ivaí), atualmente município de Fênix.
Giovanni Rossi, em sua passagem pelo Paraná entre 1890–1894, relata a ocorrência do tamanduá--bandeira nos campos gerais paranaenses, próximo a Santa Bárbara, Municipio de Palmeira: “…sobre ‘il formichiere’ ouvimos falar, mas não os vimos…”, e adiante acrescenta “…o bandeira é encontrado nas florestas virgens…[da região]” (Rossi, 1890 apud Mello-Neto, 1996). A ideia de raridade do tamanduá--bandeira na região é reforçada pela entrevista com o Sr. José Carlos da Veiga Lopes (29 de maio de 1998), proprietário da fazenda Santa Rita, área muito próxima da qual Rossi havia se estabelecido. Veiga Lopes, um atento observador da natureza, é o proprietário da fazenda e desde 1943 desconhece a ocorrência da espécie em sua propriedade. Também Auguste de Saint-Hilaire, importante naturalista francês, que percorreu aproximadamente 600 km do territorio paranaense entre janeiro e abril de 1820 (Angely, 1956), incluindo áreas do campos gerais, não faz menção à presença do tamanduá-bandeira (Saint-Hilaire, 1978).
Coube, entretanto, ao polonês Tadeusz Chrostowski (1912) a primeira informação precisa a respeito da presença do tamanduá-bandeira no Paraná, que registrou a espécie no médio rio Iguaçu, na localidade de Vera Guarani em 1910, atualmente municipio de Paulo Frontin.
Poucas décadas depois, no ano de 1950, no municipio de Amaporã, um tamanduá-bandeira foi morto a tiros (Fig. 1). Segundo moradores antigos da região “os tamanduás-bandeira não eram comuns na região [de Amaporã], ocorrendo apenas às margens do córrego [rio] Paixão, onde eram perseguidos por caçadores com o intuito de defender seus cães domésticos” (Francisca B. Shueroff e Gabriel Khunen, com. pess., 2014).
Kozák et al. (1979) ao relatar suas experiências com os Índios Hetás na Serra dos Dourados, no noroeste do Paraná nos anos de 1955 e 1956, descrevem que “a caça do tamanduá-bandeira era perigosa e para a qual havia a cooperação de muitos homens”. Porém a foto na página 390, mostrando um jovem Hetá carregando um tamanduá, registra um tamanduá-mirim ou tamanduá-de-colete (Tamandua tetradactyla Linnaeus, 1758) e não M. tridactyla (“giant anteater”) como indica a legenda.
Registros de museus
A confirmação da ocorrência da espécie através de exemplares de museu ocorreu apenas em março de 1947, por um espécime coletado em Porto Santa Helena no rio Paraná (MHNCI 470) que foi doado pelo Sr. Moysés Lupion, então Governador do Estado, ao atual Museu de Historia Natural Capão da Imbuia (MHNCI). Um segundo exemplar (MHNCI 373) com a indicação de procedência como “Estado do Paraná, 11/1955”, foi doado ao MHNCI pelo Passeio Público de Curitiba (atual Zoológico de Curitiba).
Em 1995 um macho procedente da fazenda Monte Alegre, municipio de Telêmaco Borba, foi doado ao MHNCI (MHNCI 3536). No ano de 2002, outro macho foi depositado no mesmo museu procedente do municipio de Piraí do Sul (MHNCI 4333), vítima de atropelamento na PR-090, próximo ao km 170 (Fig. 2). Em 2004 uma fêmea originária de Ponta Grossa foi encaminhada ao MHNCI pelo Zoológico de Curitiba (MHNCI 5060), assim como um macho atropelado na PR-151 em Sengés (MHNCI 5576). Em maio de 2006 um individuo atropelado foi registrado na localidade de Barra Mansa (MHNCI 6051) e em dezembro de 2007 outro individuo, também atropelado, no Horto Florestal São Nicolau (MHNCI 6582), ambas as localidades no municipio de Arapoti. Em dezembro de 2008, um novo macho foi depositado na coleção do MHNCI, atropelado na PR-151, no municipio de Jaguariaíva (MHNCI 6581).
O Museu Ecológico da Klabin Celulose — MEK conta com pelo menos seis exemplares da espécie, todos procedentes da fazenda Monte Alegre, em Telêmaco Borba. Esses indivíduos foram mortos por atropelamento entre os anos de 1989 e 1996 (Ralf Andreas Berndt, com. pess., 2000).
Demais registros
No Parque Estadual de Vila Velha, município de Ponta Grossa, no ano de 1983 um tamanduá-bandeira foi encontrado morto por atropelamento na rodovia BR 376 que corta o parque (Fernando C. Straube, com. pess., 1999). No ano de 1984 foram registradas pegadas na área do parque (Borges, 1989). Na fazenda Santa Mônica, também em Ponta Grossa, em uma entrevista realizada com o proprietário no mês de novembre de 2009, o mesmo informou que: “[os tamanduás-bandeira] eram vistos com pouca frequência nos campos e capões de araucária” e que as últimas observações datam da década de 1980.
Em Jaguariaíva, município próximo a Ponta Grossa, a espécie era frequentemente vista transitando entre os talhões de pinus na Pisa Florestal (Lima, 1993). No Parque Estadual do Cerrado (PEC), ainda em Jaguariaíva, vários registros de campo foram obtidos entre 1999 e 2001 (observação de campo: Fernando C. Straube & Alberto Urben-Filho, com. pess., 1998; Cassiano A. F. R. Gatto, com. pess., 15 de agosto de 1999; Sérgio A. A. Morato, com. pess., 1999; publicados: Silva et al., 2000; Braga & Vidolin, 2001).
Moradores antigos das cercanias do PEC relatam que os tamanduás-bandeira ainda ocorrem na região, sendo vistos com menor frequência nos últimos 15 anos (Fernanda G. Braga, obs. pess.). O proprietário da fazenda Vilar do Boi, também em Jaguariaíva, em setembro de 2011, afirmou que “a espécie era naturalmente rara em sua propriedade, sendo cada vez menos vista, mas ainda ocorre na região”. Monitoramentos mastofaunísticos realizados nas áreas de plantio de pinus pertencentes à Florestal Vale do Corisco Ltda. nos municipios de Jaguariaíva e Sengés registraram inúmeras vezes o tamanduá-bandeira entre os anos de 2003 e 2010 (Braga & Vidolin, 2005; Vidolin & Braga, 2005; Braga, 2010; Braga et al., 2010).
Relatos de moradores da fazenda Monte Negro no município de Piraí do Sul, vizinho a Jaguariaíva, informaram que há pouco mais de 15 anos os tamanduás ainda eram avistados regularmente e constantemente mortos por caçadores. Até a década de 1990, os tamanduás-bandeira eram “laçados”, como o gado, pelos fazendeiros e peões para serem fotografados junto às suas famílias. Essa prática deixou de ocorrer pela dificuldade de localização dos indivíduos remanescentes. Em fevereiro de 2002 um indivíduo foi observado transitando entre os capões (ilhas florestais com Araucária em meio às áreas de Campos) da fazenda Monte Negro. Em propriedade vizinha (fazenda 4N) foram feitos registros visuais e fotográficos de pelo menos três individuos distintos (Fernanda G. Braga, obs. pess.) (Fig. 3). Ainda em Piraí do Sul, no bairro Cavernas, um indivíduo, macho, foi encontrado no dia 15 de novembre de 2005 com ferimentos (Fig. 4) feitos por caçadores que invadiram uma propriedade rural (Vlamir J. Rocha, com. pess., 2014). Esse indivíduo foi levado pelo Batalhão de Polícia Florestal ao Parque Ecológico da Fazenda Monte Alegre, pertencente à Klabin S.A., onde recebeu atendimento. Mesmo tendo se recuperado das lesões não pôde voltar à natureza, permanecendo em cativeiro, onde faleceu anos mais tarde de causas naturais (Vlamir J. Rocha, com. pess., 2014).
No municipio de Sengés, também vizinho a Jaguariaíva, a espécie era observada com certa freqüência até meados de 1990 na fazenda Tucunduva, e segundo os proprietários tornou-se rara devido aos atropelamentos constantes e à caça.
Em Wenceslau Braz, municipio vizinho a Sengés, um tamanduá-bandeira foi morto por caçadores no dia 7 de junho de 2014 (Sarrafo, 2014).
Na fazenda Santa Maria, no municipio da Lapa, a pouco mais de 50 km de Curitiba, os tamanduás--bandeira eram eventualmente observados transitando entre as áreas de Campos e capões de Floresta com Araucária, sendo que o último indivíduo conhecido foi abatido por um peão da fazenda na localidade de Casa Velha em 1985, em virtude de um ataque a um dos caes da fazenda. Segundo o mesmo peão “trata-se de um animal perigoso que persegue os caes, abraçando-os até a morte”. Moradores do distrito de Capão Bonito, no mesmo município, relataram a morte de um tamanduá-bandeira atacado por caes em setembro de 1999. A partir desta data nenhum outro M. tridactyla foi visto na localidade.
Na mesma região da Lapa, na localidade de Caiacanga, município de Porto Amazonas, a espécie era regularmente observada até o ano 2000, e constantemente abatida por caçadores ou fazendeiros em função de acidentes com cães domésticos. Em outro municipio vizinho, Balsa Nova, o tamanduá é citado para a chácara Payquerê, distrito do Bugre (Miranda et al., 2009).
Em Tibagi, mediante o uso de armadilhas fotográficas Hack & Krüger (2013) registrar am uma fêmea com filhote na fazenda Salto Cotia em março de 2011 e um individuo na fazenda Priotto em fevereiro de 2013. No municipio vizinho de Telêmaco Borba, a espécie era observada frequentemente na fazenda Monte Alegre. No período entre os anos de 1992 e 1996, foi vista em mais de 50 ocasiões, transitando entre áreas de plantio de pinus, eucaliptos e remanescentes de Floresta Ombrófila Mista (floresta com Araucária) (Ralf Andreas Berndt, com. pess., 2000). O tamanduá-bandeira ainda é observado na fazenda nos dias atuais, porém com aparente menor densidade (Pedro et al., 2005). As áreas plantadas com eucalipto e pinus nesta fazenda no passado caracterizavam-se como Campo natural (Pedro et al., 2005).
Persson & Lorini (1990) citam contato visual nos Campos de Palmas, próximo à divisa com Santa Catarina. A espécie também foi registrada no Parque Nacional de Ilha Grande, no rio Paraná (Mussara, 1994). No município de Fênix, onde já havia sido registrada sua presença historicamente, a espécie é citada como de ocorrência ocasional, com o último relato ocorrido no ano de 2003, pela observação de um indivíduo transitando em uma área de vegetação alterada (Rocha-Mendes et al., 2005).
No Parque Nacional do Iguaçu, no sudoeste do Paraná, pelos de tamanduá-bandeira foram encontrados em fezes de onça-pintada (Panthera onca) (Cândido-Jr. et al., 2003) e 19 registros fotográficos foram obtidos entre os anos de 2009 e 2013 (Silva, 2014).
Vidolin et al. (2004), ao analisarem autos de infração do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) entre janeiro de 1980 e maio de 2002, ressaltam a falta de critérios para a soltura de animais apreendidos, exemplificando com o relato da soltura de um exemplar de M. tridactyla em uma Reserva Particular do Patrimonio Natural (RPPN) no município de Lunardelli, em um ambiente, segundo os autores, atípico para a espécie.
Inegável assumir, também, que vários topônimos do Paraná levam o nome de “Tamanduá”, alusão que poderia ser atribuída a outra espécie (Tamandua tetradactyla), bem mais comum no Estado. Algumas delas, contudo, podem efetivamente indicar uma relação com o tamanduá-bandeira, por se encontrarem em regiões de dominio dos Campos e, também, onde existem registros atuais. Este é o caso das localidades “Tamanduá”: nos municipios de Clevelândia (Leão, 1924–1928), de Wenceslau Braz, essa à margem esquerda do arroio de igual nome e de Balsa Nova, na margem direita do rio Iguaçu (IBGE, 1950).
Considerações finais
Desde a primeira citação da presença do tamanduá-bandeira no Paraná, ocorrido em 1850, até 2014, foram resgatados 58 registros distribuídos em 38 localidades (Tabela 1; Fig. 5). A despeito dessas limitadas informações corológicas e censitárias sobre o tamanduá-bandeira no Paraná, pode-se deduzir que a espécie apresentava uma distribuição mais ampla do que aquela sugerida por Margarido (1995), segundo a qual a espécie “estaria restrita a áreas de Campos e a manchas de Cerrado do Segundo Planalto Paranaense”. Os 19 registros recentes (entre 2004 e 2014) em 15 localidades, contudo (Fig. 5), indicam que as populações remanescentes podem estar concentradas nessa região, razão pela qual a mesma pode ser considerada como área-chave para conservação do tamanduá-bandeira no Paraná.
Ao contrário do que é observado nas regiões setentrionais de sua distribuição, onde a espécie é relativamente abundante, os relatos históricos indicam uma baixa frequência da espécie no Paraná. Cronistas mais generalistas como Pereira (1942) citam o tamanduá-bandeira como “raros no territorio [paranaense]”, ou mesmo o de nao ser “abundante em parte alguma de sua distribuição [Brasil]” (Paula-Couto, 1946), especialmente no sul do Brasil (Silveira, 1969), afirmações contrapostas por Leão (1934), que informa superficialmente sobre a presença da espécie no Estado, indicando ser “abundante na fauna”.
Tabela 1.
Lista de localidades com registros da ocorrência de tamanduá-bandeira, Myrmecophaga tridactyla Linnaeus, 1758, no Estado do Paraná, Brasil. CER: Cerrado; CPO: Campo; FES: Floresta Estacional Semidecidual; FOM: Floresta com Araucária; VIF: vegetação de influência fluvial. MHNCI: Museu de História Natural Capão da Imbuia; MEK: Museu Ecológico da Klabin.
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A grande pressão antrópica e a baixa representatividade dos Campos e Cerrados em Unidades de Conservação municipais, estaduais ou federais são, possivelmente, as principais ameaças à conservação da espécie no Estado. Segundo Gregorini et al. (2007) a ocorrência real e potencial do tamanduá-bandeira no Paraná pouco coincide com as Unidades de Conservação (UC) de proteção integral, o que denota uma ampla fragilidade do sistema de UCs na manutenção de populações desta espécie e uma urgência na adoção de medidas para sua proteção.
Outro importante agente negativo sobre as populações de M. tridactyla no Brasil, a caça (Silveira, 1969; Leeuwenberg, 1997), parece não ocorrer no Estado (Vidolin & Moura-Britto, 1998) ao menos em uma escala expressiva. Todavia o abate de individuos em função de incidentes com cães domésticos é regularmente citado em diferentes localidades e regiães, indicando que tenha sido uma condição bastante comum, que certamente impactou as populações da espécie no Paraná.
Igualmente relevantes e prejudiciais, os atropelamentos foram provavelmente comuns nas rodovias que cortam toda a extensão de ocorrência do tamanduá-bandeira no Paraná. Entre os 17 indivíduos constantes dos acervos museológicos citados neste trabalho, cerca de 65% (n=11) referem-se a animais atropelados, todos no Segundo Planalto Paranaense.
Também prejudicial é a atitude de alguns fazendeiros, que estariam deslocando tamanduás-bandeira do pantanal sul-mato-grossense e soltando-os em suas propriedades no norte e nordeste do Paraná, com o intuito de “repovoamento” (Rogério R. Lange, com. pess., 1998).
Por fim, conforme pautou Braga (2009), as informações apresentadas neste artigo, seriam necessárias para embasar futuros estudos de autoecologia e para nortear a quantificação das populações remanescentes. Desta forma o presente artigo apresenta informações bastante úteis, possibilitando assim a execução de medidas previstas no Plano de Ação para a conservação do tamanduá-bandeira no Paraná.
Agradecimentos
A Fernando C. Straube, Ralf Andreas Berndt, Rogério R. Lange, Vlamir J. Rocha, Gisley P. Vidolin, Cassiano A. F. R. Gatto, Sérgio A. A. Morato, José Carlos da Veiga Lopes, Sra. Francisca B. Schiroff, Liliani M. Tiepolo, Alberto Urben-Filho, Kátia Cassaro e Tereza Cristina C. Margarido que dispuseram muitas das informações apresentadas. A Vlamir J. Rocha e à Fundação Cultural de Paranavaí, na pessoa de Rosineide Sanga, pela disponibilização dos registros fotográficos utilizados no presente artigo. Gledson V. Bianconi, Fernando C. Straube, Fernanda Stender de Oliveira leram e fizeram inúmeras sugestões às versões iniciais deste trabalho.