O sagui-do-cerrado, Callithrix penicillata (Primates: Callithrichidae), é a menor espécie dentre os primatas do Brasil Central, pesando entre 350 e 500 gramas (Stevenson e Rylands, 1988), primitivamente uma espécie de Cerrado, ocupando matas de galeria, cerradões e cerrado strictu sensu (Bicca-Marques et al., 2006). Sua dieta é baseada em artrópodos, frutos, néctar e, principalmente, exsudates de plantas, sendo a espécie considerada gomívora-insetívora (Stevenson e Rylands, 1988). Primatas do gênero Callitrhix também são conhecidos por eventualmente forragear em ninhos de aves (Miranda e Faria, 2001; Lyra-Neves et al., 2007). Por exemplo, Mendes Pontes e Soares (2005) citam a predação por C. jacchus em ninhegos de pombo-doméstico (Columba livia domestica, Columbidae) e sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris, Turdidae); Silva et al. (2008) relatam a predação de C. penicillata em uma rolinha-roxa (Columbina talpacoti, Columbidae); Begotti e Landesmann (2008), relatam algumas tentativas e predações de um grupo híbrido de C. jacchus e C. peniccilata em ovos da pomba-de-bando (Zenaida auriculata, Columbidae), do sabiá-barranco (Turdus leucomelas, Turdidae) e do sabiá do campo (Mimus saturninus, Mimidae). Nosso objetivo é relatar a predação de dois ninhegos da pomba-de-bando, Z. auriculata, por um grupo de C. penicillata na região noroeste do estado de São Paulo, onde a sagüi-do-cerrado é uma espécie introduzida.
Ao dia 08 de Agosto de 2008, por volta da 09:50 h. da manhã, ouvimos a agitação de um grupo de C. penicillata no jardim do estacionamento da Universidade Estadual Paulista-UNESP (20° 47′09.82 S, 49° 21′31.69″ O), Campus de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Ao nos aproximarmos, observamos um grupo de três indivíduos adultos em uma palmeira (Arecaceae). O grupo emitia guinchos e estava bastante agitado. Registramos em fotografia, um dos indivíduos, aparentemente um macho, com uma pequena ave morta nas mãos, a cerca de três metros de altura (Fig. 1). O sagüi se afastou dos demais, carregando a presa com a boca e, subiu para um galho mais elevado, a aproximadamente quatro metros do solo, consumindo-a sem dividi-la com os demais. Os outros membros do grupo ficaram guinchando e observando sua movimentação. Longe destes, sagüi manipulou a pequena ave, observando-a sob as asas e patas, como se estivesse buscando ectoparasitas; mordeu a cabeça e pescoço e, em seguida soltou-a ao chão. O grupo de C. penicillata então desceu da palmeira, correndo pelo chão até outra árvore, distante aproximadamente 8 metros, não sendo possível observá-los por mais tempo. Toda observação foi ocasional, não sendo parte de outro estudo e durou em torno de 10 minutos. Após o grupo de C. penicilata se afastar do local, nos aproximamos da palmeira e verificamos que se tratava de um ninhego de Z. auriculata . Na base da árvore observamos um segundo indivíduo morto e, assim como o primeiro, encontrava-se parcialmente predado, com apenas a região da cabeça consumida, sendo que todo o restante do corpo da ave encontrava-se inteiro e sem ferimentos. As aves apresentavam penugem juvenil, com muitas penas em desenvolvimento, sendo a primeira ave observada, menor que a segunda (120 mm. e 140 mm. de comprimento total, sem a cabeça, respectivamente). Verificamos um ninho na mesma árvore, possivelmente de onde os ninhegos foram obtidos. Adultos da ave não foram observados nas proximidades, mas a espécie é bastante comum na área, como pudemos constatar em observações anteriores.
Espécimes de C. penicillata foram introduzidos por meio do tráfico ilegal para serem utilizados com animais de estimação (Begotti e Landesmann, 2008), nos estados do Rio de Janeiro e porção centro-sul de São Paulo (Olmos e Martuscelli, 1995; Bicca-Marques et al., 2006). Introdução de espécies não-nativas pode gerar competição interespecífica e transmissão de doenças à fauna nativa (Costa et al., 2005; Ruiz-Miranda et al., 2006; Mendes Pontes et al., 2007). O hábita de forrageio em ninhos de aves é conhecido para Callithrix, porém mais habitualmente sobre os ovos (Stevenson e Rylands, 1988, Miranda e Faria, 2001; Lyra-Neves et al., 2007). Argel de Oliveira (1995) cita que a predação de ninhos pode reduzir a riqueza e diversidade da avifauna local, e nossa observação corrobora a interferência negativa de espécies introduzidas na avifauna nativa. O fato observado pode ter sido um comportamento oportunista, não sendo necessariamente relacionado a limitações de recursos, visto que os indivíduos residentes na universidade já foram observados se alimentando de exsudatos, frutos ou sendo alimentados por seres-humanos. Nossa observação evidencia a importância destes pequenos mamíferos em uma série de importantes processos ecológicos (De Esteven e Putz, 1984; Fragoso, 1994), como a predação de espécies nativas e a competição com espécies sinantrópicas.
Agradecimentos
FBRG é grato a FAPESP (Mestrado proc. #07/52973-1) e ao CNPq (Doutorado proc. #145304/2009-4). RCLG é grata ao CNPq (Bolsa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial do CNPq - Nível 7F, proc. #383268/2010-9) e (Mestrado proc. #134785/2011-8). Ambos agradecem a Empresa ATEND Ltda., pelo patrocínio e confiança em seus trabalhos.