Dentre os primatas neotropicais, o gênero Alouatta Lacépède, 1799 é o que apresenta a mais ampla distribuição geográfica, ocorrendo desde o Estado de Vera Cruz, no México, até o Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil e Corrientes, na Argentina (Hill, 1962; Gregorin, 2006). Alouatta fusca (Geoffroy Saint-Hilaire, 1812) é uma espécie endêmica do Brasil e restrita à Mata Atlântica (Gregorin, 2006). Em comparação com outros mamíferos, filhotes de primatas necessitam de um longo período de cuidado parental e aprendizagem com suas mães (Vochteloo et al., 1993). Em espécies monogâmicas, muitas vezes as fêmeas recebem alguma espécie de colaboração por parte dos machos, seja ela direta ou indireta (Tardif, 1984; Wright, 1984, 1986; Van Schaik e Dumbar, 1990; Runcie, 2000; Sommer, 2000).
No gênero Alouatta a necessidade da mãe é muito grande, e mesmo quando já são capazes de se deslocarem sozinhos (Miranda et al., 2005), juvenis podem passar até 86% do tempo com as mães (Podgaiski e Jardim, 2009), e em muitas das ocasiões podem passar longos períodos de tempo sob os cuidados de outros indivíduos do grupo, inclusive machos adultes (Bolin, 1981). Alomatria foi registrada para A. caraya (Calegaro-Marques and Bicca-Marques, 1993; Bravo e Sallenave, 2003), A. clamitans (Miranda et al., 2005), A. palliata (Clarke et al., 1998) e A. seniculus (Mack, 1979), de tal modo que é muito raro o avistamento de indivíduos de pequeno porte perdidos do grupo. Os relates apresentados aqui são referentes a trabalhos de campo realizados em outubro de 2010 no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO), município de Teresópolis, estado do Rio de Janeiro, Brasil. O PARNASO é uma Unidade de Conservação que abriga uma área de 20.024 hectares de Mata Atlântica.
Em duas ocasiões foram observados indivíduos perdidos de seus grupos. Na primeira delas (15 de outubro de 2010), dois juvenis I de sexo indeterminado (sensu Mendes, 1989) foram observados atravessando de uma árvore para outra (22°27′22.6″S, 42°59′49.7″W) às 15:20. Os mesmos permaneceram um curto período de tempo na mesma árvore. Durante esse período não foi observada a presença de nenhum indivíduo adulto nas proximidades. Na segunda ocasião (27 de outubro de 2010) um juvenil II, novamente sem sexo determinado, foi observado sozinho em uma árvore (22°27′16.0″S, 43°59′59.1″W) por volta das 16:40. O mesmo estava bastante agitado, balançando galhos e rasgando bromélias (Bromeliaceae). Após cerca de 15 minutes exibindo esse comportamento, o indivíduo subiu para o ponto mais elevado da árvore e lá permaneceu. Mesmo com a chuva e o anoitecer, não se deslocou e não foram observados indivíduos adultos ao redor. O juvenil foi observado até aproximadamente ás 19:00, e presume-se que tenha passado a noite no local. Todas as observações foram feitas seguindo o método ad libitum (Altmann, 1974) sem limite de tempo.
É sabido, sobretudo em primatas neotropicais, que as fêmeas com filhotes reduzem suas áreas de atividade e tendem concentrar seus esforços nos mesmos. Chapman (1988) demonstrou tal fato para duas espécies de atelídeos (Alouatta palliata e Ateles geoffroyi) e um cebídeo (Cebus capucinus), de modo que é bastante incomum encontrar juvenis e infantes longe de membros de seu grupo. Apesar do fato de que juvenis perdidos constituam um fenômeno raro, já foram relatados casos em que durante o forrageio, indivíduos de um mesmo grupo de bugios apresentavam-se mais dispersos, podendo ocorrer eventualmente uma separação (Steinmetz, 2005). Quando isso acontecia os indivíduos perdidos ficavam se deslocando a procura dos outros e em alguns casos vocalizavam. Embora tenha sido levantada a hipótese de ser uma peculiaridade dos grupos estudados, o mesmo foi observado no presente estudo.
Os registros descritos no presente estudo corroboram a hipótese de que individuos de Alouatta fusca possam eventualmente se perder de seus grupos por longos períodos de tempo, uma vez que é o primeiro registro para esta população. A ocorrência de individuos perdidos em populações geograficamente isoladas dá indícios de que este comportamento não é uma peculiaridade regional, e sim algo recorrente nestes animais.
Outra informação importante que pode ser extraída de nossas observações diz respeito às questões demográficas de Alouatta fusca na Serra dos Órgãos. Treves (2001) hipotetizou que as fêmeas das espécies de Alouatta podem maximizar a taxa de sobrevivência da prole ao se reproduzirem em grupos que apresentam uma alta proporção de machos adultos e subadultos em relação ao número de fêmeas. Mudanças de dominância ou subdivisão de grandes grupos em grupos menores podem estar relacionados aos avistamentos de individuos perdidos, no entante, maiores conclusões não podem ser extraídas devido à ausência de estudos populacionais com bugios nessa região.
Agradecimentos
À Dra. Cibele Bonvicino pelo incentivo a publicação deste trabalho e à Cecilia Cronemberger (PARNASO) pelo apoio logístico. Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas bolsas concedidas. Também gostaríamos de agradecer a um revisor anônimo pelas sugestões que contribuíram significativamente para o aumento da qualidade deste manuscrito.